Inteligência Artificial como Diferencial Competitivo na Engenharia

Há anos os estudos sobre estratégias visam uma vantagem competitiva sustentável como a estratégia ideal para crescimento e perpetuação dos negócios. A inovação se tornou essencial.

Recentemente, com o advento da IA se transformando em uma “força de trabalho” diferenciada, as organizações começaram a colher resultados significativos com a aplicação dela.

A engenharia não se traduz apenas em números, cálculos, mas pessoas, processos, projetos, equipamentos, cronogramas e textos.  Há casos de uso de IA na leitura de textos, visão computacional, bots e principalmente com machine learning para predição, tomada de decisão, classificação, dentre outras.

Na engenharia de produtos, criação, desenvolvimento e comercialização de produtos, principalmente com alto volume de materiais, o ganho é significativo. Abordaremos neste artigo alguns detalhes sobre o caso de uso da IA na engenharia de produtos, da pesquisa até a previsão de vendas com impacto da chuva nos modelos preditivos de vendas que alteraram a forma com uma indústria atuava e atuará futuramente.

Vantagem competitiva sustentável com IA

A evolução da literatura de gestão estratégica, partindo de Porter para Mintzberg, Prahalad e a estratégia do oceano azul, é possível visualizar uma estratégia que todos procuravam: como se manter competitivo, como vencer e encontrar caminhos melhores que os concorrentes. Em resumo, como alcançar uma vantagem competitiva que fosse permanente, sustentável.   

Em artigo publicado pela Accenture, no Brasil por Ovanessoff e Plastino (2017), a IA foi apresentada como um novo fator de produção (Figura 1) que teria o potencial de dobrar a taxa de crescimento econômico dos países (Figura 2).

Figura 1 – IA como novo fator de produção

Fonte: Ovanessoff e Plastino (2017, p. 9).

Figura 2 – IA no crescimento econômico

Fonte: Ovanessoff e Plastino (2017, p. 15).

É possível conseguir vantagem competitiva com ciência de dados / IA. Para Provost e Fawcett (2016, p. 317), a capacidade de dados e data science são ativos estratégicos (complementares). Se a concorrência não tiver o mesmo ativo, com a mesma qualidade, ou mesmo se eles não conseguirem obter o mesmo valor, teremos um pré-requisito para a vantagem competitiva (PROVOST; FAWCETT, 2016, p. 318).

Uma vez estando em vantagem competitiva com IA, ela será sustentável se os ativos não puderem ser duplicados/copiados, ou as técnicas utilizadas pela equipe de ciência de dados estão à frente da concorrência (PROVOST; FAWCETT, 2016, p. 318).

Esta visão complementa a de Barney e Hesterly (2008) sobre a ferramenta para análise de vantagem competitiva sustentável – VRIO. O acrônimo VRIO se referem aos critérios de Valioso, Raro, “Insubstituível” e Organizacionalmente integrado.  Valioso, raro e insubstituível se referem a dados, equipe e técnicas, porém, organizacionalmente integrado, em escala, com a organização tendo capacidade de aproveitar seus resultados, exige uma maturidade em IA. O foco é ser “sustentável”, senão será alcançada rapidamente pela concorrência.

A vantagem competitiva aumentará com a maturidade da empresa em IA / ciência de dados. A figura 3 apresenta o modelo de maturidade – Artificial Intelligence Maturity Model da Gartner – AIMM (SICULAR et al., 2020). Os resultados com IA e a vantagem competitiva cresce à medida que a maturidade aumenta. O nível 4 e 5 gera a integração e conexão necessária para a escala de valor e possibilidade de transformar a organização para uma visão de tomada de decisão baseada em dados – Data Driven.

      Figura 3 –Artificial Intelligence maturity Model

           Fonte: Adaptado de Gartner AIMM – https://www.gartner.com/en/documents/3982174

Na busca por estes resultados significativos, a IA pode trazer diversos ganhos para as organizações, conforme tabela 1, que são obtidos de forma diferenciada para cada caso de uso desenvolvido.

  Redução de custos
  Redução de tempo
  Tomada de decisão
  Aumento de produtividade
  Novo negócio / aumento de receita
  Melhoria de processo / desempenho
  Redução de riscos
  Maior conveniência / experiência
  Escalabilidade
  Aumento do valuation da marca
  Retenção de conhecimento

Tabela 1 – Valores da IA para o negócio

Fonte: Adaptado de Mays (apud GREENHALG, 1997).

Engenharia e a inteligência artificial

A engenharia, ciência exata, tem como base a matemática, mas não se restringe a ela. As pessoas, os processos, a informação, são muito importantes no dia a dia. A inteligência artificial, pervasiva, pode atuar em vários casos de uso na engenharia.

Em uma mineração a IA atua na segurança, por exemplo, com visão computacional para identificação de presença de equipamentos de segurança – EPIs, como na identificação de riscos, previsão de produção, robótica e até na condução de veículos autônomos.

Existem casos de verificação de água em carga de vagões, cálculo de volume de minério presente nos vagões com apenas uma câmera sobre o trilho. A predição de manutenção de peças ou equipamentos também passam a um outro patamar com a análise da IA identificando melhor momento de parada para manutenções e abastecimento de forma a otimizar os resultados.

A classificação de materiais com modelos de IA tem fortes resultados, por exemplo, com a análise de similaridade de materiais. Modelos que usam distância euclidiana ou cosseno, por exemplo, podem identificar itens semelhantes, materiais que podem ser usados na falta de outros ou ainda para atender clientes que buscam produtos com especificações próximas.  Grus (2016, p. 141) define um modelo como a especificação de uma relação matemática (ou probabilísticas) existente entre variáveis diferentes e complementa com a definição de aprendizado de máquina como o ato de criar e usar modelos que são aprendidos a partir dos dados (GRUS, 2016, p. 142). Podemos concluir que os dados são de extrema importância para que bons modelos sejam criados e possam aprender, gerando resultados de qualidade. As distâncias medidas entre os materiais dependem, portanto, de uma boa base de dados e suas características.

Engenharia de Produtos

A engenharia de produtos tem necessidades que vão da pesquisa e desenvolvimento até a venda e planejamento de produção. Nessa esteira de pesquisa, cujo processo pode envolver milhares de itens de materiais, o trabalho humano se torna mais complexo e até impossível sem apoio de tecnologia, sistemas e agora da IA.

São dores desta indústria: 1) Identificar produtos semelhantes   2) Criar produtos diferenciados   3) Planejar vendas por SKU em todas as regiões 4) Prever vendas com influência de chuvas/clima futuro   5) Planejar a produção visando melhoria nos indicadores – OTIF – on time in full, por exemplo.

Este estudo sobre uma indústria de aromas/sabores que trabalha com mais de 250 mil itens para composição de seus produtos, tendo passado por evoluções em solução de IA para melhoria do processo de criação de novos sabores (P&D) através de 2 inteligências artificias. A primeira foi um chatbot para condução da busca por um sabor específico dentre os mais de 200 mil itens. A segunda já foi um modelo de machine learning para similaridade de materiais, utilizando de um algoritmo com cálculo de distância de cosseno.

O projeto desta segunda IA possibilitou extrema velocidade, impossível de ser alcançada pelo conhecimento humano, dada a imensa proporção de alternativas de produtos, variáveis e restrições na busca. Não apenas a criação de novos produtos foi agilizada, mas também a busca por itens similares se tornou comum e rápida.

Lee et all (2023) representa um mapa de odores onde estes são plotados pelo primeiro e segundo componentes principais (PC) de suas coordenadas POM – Principal Odor Map com 256 dimensões. Cada gráfico mostra um subconjunto de rótulos de odores relacionados, mostrando visualmente, mesmo que em duas dimensões, a capacidade de identificação de similaridade ou não entre odores. Conforme figura 4.

Figura 4 – Mapa de odores

Fonte: Lee et all (2023).

Sobre o planejamento de vendas, como um dos produtos vendidos sofria interferência em vendas pelo clima, precipitação em todo o Brasil, foi desenvolvido um modelo de machine learning de regressão que analisou a série histórica de vendas e agregou ao modelo o clima futuro, previsão de chuvas.  O grande diferencial neste projeto consiste na capacidade da IA de fazer uma previsão para cada SKU – Stock Keeping Unit (Unidade de Manutenção de Estoque) por cada região do Brasil. A empresa anteriormente, dado a quantidade de SKU´s existentes, fazia previsões de vendas por família de produtos e para o Brasil como um todo.  Em poucos meses o projeto de IA gerava previsões assertivas, por região, por SKU e com uma visão do clima futuro que chega a impactar em cerca de 20% as previsões.  Algo inimaginável anteriormente. Este é o diferencial, a vantagem competitiva em relação à concorrência. A soma das “IAs” gerando resultados. Esse é um dos motivos que exigem uma maturidade em IA, conforme a GARTNER – A maturidade em IA agregando vários modelos em produção.  Cada IA entregando resultados conforme a tabela 1 contribuem de forma integrada para um patamar diferenciado frente a concorrência.

Considerações Finais

A engenharia e a mineração estão passando por uma revolução sem volta, a incorporação da robótica e da inteligência artificial que conseguem ler, entender e gerar ações em alto volume de dados, transformando de fato a organização com um foco data driven. Seja com dados de IoT ou sistemas relacionais, os modelos de IA trazem velocidade, assertividade e qualidade na tomada de decisão em conjunto com o ser humano. Os engenheiros do “futuro” serão curadores de soluções de IA no dia a dia, contribuindo para a evolução dos modelos, aprendendo e ensinando a máquina a executar tarefas repetitivas e mais complexas. O engenheiro que não utilizar de IA perderá espaço para os que se utilizarem e souberem atuar em conjunto. Da mesma forma, as empresas que não embarcarem na jornada de IA, buscando sua maturidade, perderão espaço ao competirem de forma “manual”, em total desvantagem.

Referências

  • BARNEY, Jay B.; HESTERLY, William S. Administração estratégica e vantagem competitiva. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.
  • GARY, Hamele C. K. PRAHALAD. Competindo pelo Futuro. Rio de Janeiro: Campus, 1995.
  • GRUS, Joel. Data Science do Zero. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.
  • LEE, Brian K., Mayhew, Emily J., Sanchez-Lengeling, Benjamin, Wei, Jennifer N., Qian, Wesley W., Little, Kelsie, Andres, Matthew, Nguyen, Britney B., Moloy, Theresa, Parker, Jane K., Gerkin, Richard C., Mainland, Joel D., & Wiltschko, Alexander B. (2023). A Principal Odor Map Unifies Diverse Tasks in Human Olfactory Perception. Zenodo. https://doi.org/10.5281/zenodo.7992168
  • MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safari de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, c1998.
  • OVANESSOFF, A.; PLASTINO, E. Como a inteligência artificial pode acelerar o crescimento da américa do sul. Accenture,  2017
  • PROVOST, Foster; FAWCETT, Tom. Data Science para negócios. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.
  • Sicular, S., Elliot, B., Andrews, W., Hamer, P.: Articial Intelligence Maturity Model. 2020

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